domingo, 30 de maio de 2010

será um editor de notícias também um gestor ?



Alfredo tinha quarenta anos feitos e estava no auge da sua carreira jornalística.


As reportagens na Bósnia e no Iraque e a descoberta do caso das facturas falsas tinham merecido vários prémios de jornalismo e a Direcção da empresa de comunicação social em que trabalhava estava satisfeita. A tal ponto que na primeira oportunidade o promoveu a Editor-chefe.


Alfredo tinha agora a chefia da redacção onde trabalhavam trinta jornalistas, assumia o lugar sabendo que não teria grandes preocupações, conhecia todos os colegas e a redacção já havia dado provas de que trabalhava com qualidade. Os resultados do produto jornalístico eram fantásticos e com a sua capacidade e empenho, as coisas só podiam melhorar.


A Alfredo competia agora redigir um editorial diário, ter boas ideias para grandes reportagens de interesse do público, distribuir tarefas pelos jornalistas da redacção e exigir resultados. Quanto mais depressa as reportagens estivessem prontas, melhor, por isso achou que deveria apostar nos jornalistas mais jovens e via em cada um deles reflectida a sua própria imagem. Quanto mais importante era o trabalho mais depressa Alfredo o entregava àquele pequeno grupo que “esvoaçava” em seu redor sempre disponível, sempre aparentemente solícito.


Nas reuniões de redacção, Alfredo lembrava o seu velho mestre e dizia: “ jornalista é aquele que entra na redacção todos os dias com uma notícia nova debaixo do braço”. Esperava assim estimular a redacção e dizer que estava disponível para novas ideias sobre reportagens, mas na verdade quando um jornalista o abordava com um proposta para um história, dizia imediatamente, quase sem o ouvir: “Esse assunto já foi tratado, não tem interesse”.


A pouco e pouco, as reuniões de redacção começaram a ser menos participativas, as pessoas estavam presentes mas não falavam, as reportagens por ele marcadas e que julgava poderem dar boas histórias, chegavam as suas mãos redigidas de forma correcta, mas sem “chama”, sem imaginação, sem profundidade.


Alfredo começou a ficar preocupado. O que teria acontecido para tamanha desmotivação? A culpa não era sua, por certo, tinha até apostado naqueles jornalistas que ele considerava terem uma maior margem de progressão na carreira. Seria uma acção concertada dos seus subordinados para o tirarem do lugar? Sobretudo daqueles que tendo mais ou menos a sua idade e tempo de serviço, não tinham conseguido tanto êxito na carreira?


Os sinais de alerta que chegavam da Direcção de Informação com os números das audiências a baixarem, obrigaram Alfredo a parar para reflectir. Como era possível que uma redacção de grande qualidade jornalística estivesse agora a passar por uma crise?


Alfredo encheu-se de coragem e resolveu falar individualmente com os jornalistas da sua redacção, a começar por aqueles que como ele, já tinham passado por diversas redacções e chefias. Quanto mais os ouvia, mais percebia que tinha errado, desde logo quando pensou que os conhecia a todos e na verdade não sabia das capacidades de cada um.

Agiu mal na divisão de tarefas ao preferir uns em detrimento de outros, ao não perceber que quem recebe as tarefas menos importantes é quem mais precisa de motivação, ao não ouvir as sugestões que lhe eram apresentadas que mesmo não tendo aparentemente grande importância, representavam um sinal de empenhamento da sua equipa.Melhor teria sido se tivesse distribuído os trabalhos mais importantes por todos, mostrando que acreditava de igual modo na capacidade de toda a redacção.

Alfredo era inegavelmente um bom jornalista, mas não era um gestor e estava claro que isso prejudicava o sucesso da equipa.

(texto de ficção 2004)

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